domingo, 20 de março de 2011

Escolha Seu Sonho


Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas, as suas composições. Com a matéria sutil da noite e da nossa alma, devíamos poder construir essas pequenas obras-primas incomunicáveis que, ainda menos que a rosa, duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro vestígio que não a nossa memória.

Como quem resolve uma viagem, devíamos poder escolher essas explicações sem veículos nem companhia - por mares, grutas, neves, montanhas, e até pelos astros, onde moram desde sempre heróis e deuses de todas as mitologias, e os fabulosos animais do Zodíaco.

Devíamos, á vontade, passear pelas margens do Paraíba, lá de onde suas espumas crespas correm com o luar por entre as pedras, ao mesmo tempo cantando e chorando. Ou habitar uma tarde prateada de Florença, e ir sorrindo para cada estátua dos palácios e das rua, como quem saúda muitas famílias de mármore... Ou contemplar nos Açores hortênsias da altura de uma casa, lagos de duas cores e cestos de vime nascendo entre fortes, com águas frias de um lado e, do outro, quentes... Ou chegar a Ouro Preto e continuar a ouvir aquela menina que estuda piano há duzentos anos, hesitante invisível - enquanto o cavalo branco escolhe, de olhos baixos, o trevo de quatro folhas que vai comer...

Quantos lugares, meu Deus, para essas excursões da mente! Lugares recordados ou apenas imaginados. Campos orientais atravessados por nuvens e pavões. Ruas amarelas de pó, amarelas de sol, onde os camelos de perfil de gôndola estacionam, com seus carros. Avenidas cor-de-rosa, por onde cavalinhos emplumados, de rosa na testa e colar no pescoço, conduzem leves e elegantes coches policromos... E lugares inventados, feitos ao nosso gosto; jardins no meio do mar; pianos brancos que tocam sozinhos; livros que se desarmam, transformados em música.

Oh! Os sonhos "Poronominare!"... Lembram-se? Sonhos dos nossos índios: rios que vão subindo por cima das ilhas... meninos transparentes, que deixam ver a luz do sol do outro lado do corpo... gente com cabeça de pássaros... flechas voando atrás de sombras velozes... moscas que se transformam em guaribas... canoas... serras... bando de beija-flores e borboletas que trazem mel para a criança que tem fome e a levantam em suas asas...

Devíamos poder sonhar com as criaturas que nunca vimos e gostaríamos de ter visto.. Alexandre, O Grande; São João Batista; o Rei David a cantar; o Príncipe Gautama...

E sonhar com o que amamos e conhecemos, que estão perto ou longe, vivos ou mortos... Sonhar com eles no seu melhor momento, quando foram mais merecedores de amor imortal... Ah! Que gostaria você de sonhar essa noite?


* da obra Escolha O Seu Sonho, de Cecília Meireles, que eu li no último mês e que super recomendo à todos!  

Gabi Roldão.

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