sexta-feira, 25 de março de 2011

Um mistério chamado mulher,


Para entender uma mulher, é preciso mais que deitar-se com ela. Há de se ter mais sonhos e cartas na mesa, que se possa prever nossa vã pretensão. Para possuir uma mulher, é preciso mais do que fazê-la sentir-se em êxtase.. numa cama, em uma seda, com toda viril possibilidade. Há de se conseguir fazê-la sorrir antes do próximo encontro. Para conhecer uma mulher, mais que em seu orgasmo, tem de ser mais que amante perfeito. Há de se ter o jeito certo ao sair, e fazer da saudade e das lembranças, todo sorriso. O potente, o amante, o homem viril, são homens bons. Bons homens são os de abraços e passos firmes. Bons homens são pra se contar e dividir histórias. Há, porém, o homem certo, de todo instante: o de depois, que se lembra para sempre. Para conquistar uma mulher, mais que ser este amante, há de se querer o amanhã. E, depois do amor, um silêncio de cumplicidade. E mostrar que o que se quis é menor do que o que não se deve perder. É esperar amanhecer, e nem lembrar do relógio ou do café. Para amar uma mulher, mais que entendê-la, mais que conhecê-la, mais que possuí-la, é preciso honrar a obra de Deus, e merecer um sorriso escondido em seus olhos. E também ser possuído e, ainda assim, também ser viril. Para amar uma mulher, mais que tentar conquistá-la, há de ser conquistado. Todo tomado e, com um pouco de sorte, também ser amado.

(Carlos Drummond de Andrade)


quinta-feira, 24 de março de 2011

Apenas venha,




Vem para que eu possa recuperar sorrisos, pintar teu olho escuro com kol, salpicar tua cara com purpurina dourada, rezar, gritar, cantar, fazer qualquer coisa, desde que você venha, para que meu coração não permaneça esse poço frio sem lua refletida. Porque nada mais sou além de chamar você agora, porque tenho medo e estou sozinho, porque não tenho medo e não estou sozinho, porque não, porque sim.. Vem e me leva outra vez para aquele país distante onde as coisas eram tão reais e um pouco assustadoras dentro da sua ameaça constante, mas onde existe um verde imaginado, encantado, perdido. 




Vem, que eu quero te mostrar o papel cheio de rosas nas paredes do meu novo quarto, no último andar, de onde se pode ver pela pequena janela a torre de uma igreja. Quero te conduzir pela mão, pelas escadas dos quatro andares, com uma vela roxa iluminando o caminho para te mostrar as plumas roubadas no vaso de cerâmica, até abrir a janela para que entre o vento frio e sempre um pouco sujo desta cidade. Vem, para subirmos no telhado e, lá do alto, nosso olhar consiga ultrapassar a torre da igreja para encontrar os horizontes que nunca se vêem, nesta cidade onde estamos presos e livres, soltos e amarrados.


Então eu quero que você venha, para deitar comigo no meu quarto novo, para ver minha paisagem além da janela, que agora é outra, quero inaugurar meu novo estar-dentro-de-mim ao teu lado, aqui, sob este teto curvo e quebrado, entre estas paredes cobertas de guirlandas de rosas desbotadas. Vem para que eu possa acender incenso do Nepal, velas da Suécia na beirada da janela, acender charutos de haxixe marroquino, abrir armários, mostrar fotografias, contar dos meus muitos ou poucos passados, futuros possíveis ou presentes impossíveis, dos meus muitos ou nenhuns eus.



Quero controlar o relógio, mil vezes por minuto, antes de ouvir o ranger dos teus sapatos amarelos sobre a madeira dos degraus e então levantar brusco para abrir a porta, construindo no rosto um ar natural e vagamente ocupado, como se tivesse sido interrompido em meio a qualquer coisa não muito importante, mas que você me sentisse um pouco distante e tivesse pressa em me chamar outra vez para perto, para baixo ou para cima, não sei, e então você ensaiasse um gesto feito um toque para chegar mais perto, apenas para chegar mais perto, um pouco mais perto de mim.



Eu quis te dizer, de como era bom que a gente tivesse se encontrado, assim, sem pedir, sem esperar. Que te amo, que te esperarei um dia numa rodoviária, num aeroporto, ou outra espera qualquer. Que te acredito, que consegues mexer dentro, dentro de mim. Eu não sei explicar, acho mesmo que é uma questão de amor.



E no fim desses dias, desde que venhas, quero encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços e você me beija e você me aperta e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem...


E no fim de tudo isso, só lhe peço que venha. Venha quando quiser, ligue, chame, escreva - tem espaço na casa e no coração, só não se perca de mim. Entenda: é que no fundo, na minha memória tão congestionada e no meu coração, tão cheio de marcas, você ocupa o lugar mais bonito. 



*Uma homenagem ao autor que mais tem me inspirado ultimamente, Caio Fernando Abreu. E uma mensagem para alguém extremamente especial e único que, quando passar por aqui, vai entender o recado. 

Gabi Roldão.


quarta-feira, 23 de março de 2011

Um lugar, uma cabana.



É verdade que os relacionamentos são muito mais complicados do que as regras, mas as regras nunca vão lhe dar as respostas para as questões profundas do coração. E nunca irão amar você (...)


Há ocasiões em que optamos por acreditar em algo que normalmente seria considerado absolutamente irracional. Isso não significa que seja mesmo irracional, mas certamente não é racional. Talvez exista a supra-racionalidade: a razão além das definições normais dos fatos ou da lógica baseada em dados. Algo que só faz sentido se você puder ver uma imagem maior da realidade. Talvez seja aí que a fé se encaixe(...)

Os sonhos podem ser uma maneira de abrir a janela e deixar que o ar poluído saia(...)

Rotineiramente desqualificamos testemunhos e exigimos comprovação. Isto é, estamos tão convencidos da justeza de nosso julgamento que invalidamos provas que não se ajustem a ele. Nada que mereça ser chamado de verdade pode ser alcançado por esses meios(...)

Duas estradas se bifurcaram no meio da minha vida, ouvi um sábio dizer. Peguei a estrada menos usada. E isso fez toda a diferença cada noite e cada dia(...)

(do livro A Cabana, de William P. Young)

Gabi Roldão.

Strip-Tease, por Martha Medeiros.

Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.

Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.

Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes. Primeiro, tirou a máscara: 'Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto'.

Então ela desfez-se da arrogância: 'Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história.'

Era o pudor sendo desabotoado: 'Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou'. Retirava o medo: 'Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei'.

Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: 'Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou. Lembre-se de que paramos aqui...'

E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.





Diante de Martha Medeiros, não há nada suficientemente grandioso que possa ser escrito por mim agora. Contudo, julgo apropriado um conselho: se, por algum momento, sentir amor, declare-se. Não tenha medo de se expor, não tenha medo de arriscar, não tenha medo  de se entregar. O amor não pode ser vencido pelo medo! Aproveite enquanto é tempo, lute com as armas que tiver, seja ridículo se preciso. Mas não abra mão do amor, nunca. O que sentimos pode não ser eterno, pode não corresponder ao que sonhamos. Mas vai valer a pena por ser verdadeiro, enquanto durar e por, em algum momento (por menor que seja), ter lhe feito feliz. O amor existe para ser vivido, não para ser posto no fundo de uma gaveta, jogado nas mãos do destino. Ame, e vá até o fim.

Gabi Roldão.

domingo, 20 de março de 2011

Escolha Seu Sonho


Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas, as suas composições. Com a matéria sutil da noite e da nossa alma, devíamos poder construir essas pequenas obras-primas incomunicáveis que, ainda menos que a rosa, duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro vestígio que não a nossa memória.

Como quem resolve uma viagem, devíamos poder escolher essas explicações sem veículos nem companhia - por mares, grutas, neves, montanhas, e até pelos astros, onde moram desde sempre heróis e deuses de todas as mitologias, e os fabulosos animais do Zodíaco.

Devíamos, á vontade, passear pelas margens do Paraíba, lá de onde suas espumas crespas correm com o luar por entre as pedras, ao mesmo tempo cantando e chorando. Ou habitar uma tarde prateada de Florença, e ir sorrindo para cada estátua dos palácios e das rua, como quem saúda muitas famílias de mármore... Ou contemplar nos Açores hortênsias da altura de uma casa, lagos de duas cores e cestos de vime nascendo entre fortes, com águas frias de um lado e, do outro, quentes... Ou chegar a Ouro Preto e continuar a ouvir aquela menina que estuda piano há duzentos anos, hesitante invisível - enquanto o cavalo branco escolhe, de olhos baixos, o trevo de quatro folhas que vai comer...

Quantos lugares, meu Deus, para essas excursões da mente! Lugares recordados ou apenas imaginados. Campos orientais atravessados por nuvens e pavões. Ruas amarelas de pó, amarelas de sol, onde os camelos de perfil de gôndola estacionam, com seus carros. Avenidas cor-de-rosa, por onde cavalinhos emplumados, de rosa na testa e colar no pescoço, conduzem leves e elegantes coches policromos... E lugares inventados, feitos ao nosso gosto; jardins no meio do mar; pianos brancos que tocam sozinhos; livros que se desarmam, transformados em música.

Oh! Os sonhos "Poronominare!"... Lembram-se? Sonhos dos nossos índios: rios que vão subindo por cima das ilhas... meninos transparentes, que deixam ver a luz do sol do outro lado do corpo... gente com cabeça de pássaros... flechas voando atrás de sombras velozes... moscas que se transformam em guaribas... canoas... serras... bando de beija-flores e borboletas que trazem mel para a criança que tem fome e a levantam em suas asas...

Devíamos poder sonhar com as criaturas que nunca vimos e gostaríamos de ter visto.. Alexandre, O Grande; São João Batista; o Rei David a cantar; o Príncipe Gautama...

E sonhar com o que amamos e conhecemos, que estão perto ou longe, vivos ou mortos... Sonhar com eles no seu melhor momento, quando foram mais merecedores de amor imortal... Ah! Que gostaria você de sonhar essa noite?


* da obra Escolha O Seu Sonho, de Cecília Meireles, que eu li no último mês e que super recomendo à todos!  

Gabi Roldão.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O que vai ficar na fotografia,



' Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.'
(Martha Medeiros)



Estou vendo um filme, cada estrada que passei, cada história que eu vivi e os futuros que eu sonhei. Cada dia, cada mês, cada estação que eu dividi com vocês, abri meu coração. Se um dia alguém falou que o que foi não volta mais, a vida continua e a escolha é sua. Sou feliz de olhar pra trás. Como não lembrar de vocês? Como não chorar outra vez? Só de lembrar, poder te abraçar. Se a estrada se abrir e eu tiver que seguir, vou levar comigo cada amor de amigo. Como não querer de novo? Posso até ser bobo, com vocês, viveria tudo outra vez ..'
(Fim de Ano - Rafinha)



Gabi Roldão.

Efeito Borboleta

Se, em certa altura, eu tivesse me voltado para a esquerda em vez da direita.  Se, em certo momento, tivesse dito sim em vez de não ou não em vez de sim.  Se, em certa conversa, tivesse dito as frases que só agora, no meio do sono, elaboro. Se tudo isso tivesse sido assim, seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria outro também.

(Fernando Pessoa)




Amargas conjecturas. Mas o que são escolhas certas e quem é que sempre as faz? Mais um pouco e também começaria a sentir pena de mim mesma. Pensei em todas as bobagens que fiz, nas perdas que contabilizei, no que deixei de ganhar nas lutas que não lutei. Sonhos que sonhei e decidi que eram apenas sonhos. Por isso deixei que se diluíssem num oceano de quimeras, que é para onde vão todas essas águas da imaginação que não ousamos navegar na realidade.

 
O passado jamais voltará e o futuro é uma incógnita. Aliás, é muito bom que na composição estrutural do universo exista um princípio chamado incerteza. Nunca saberemos o que o momento seguinte nos reserva. Por outro lado, só poderemos voltar ao passado se um dia conseguirmos nos deslocar mais rápido do que a luz. Como essa é uma possibilidade matematicamente improvável, acho que posso dormir tranqüila.

 O princípio da incerteza foi a melhor descoberta que os cientistas do átomo até hoje já fizeram. Nunca saberemos o que o futuro nos reserva porque jamais poderemos calcular em que lugar do tempo e do espaço estaremos no momento seguinte. Nós nos movemos junto com o universo e ele é como uma bola que uma criança chuta a esmo. Somos o que fazemos em cada momento, por isso somos diferentes. O resto? Ah, o resto é só filosofia. 



Gabi Roldão.