quinta-feira, 23 de junho de 2011

Remar. Re-amar. Amar.


Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena. Remar. Re-amar. Amar. 


(Caio F Abreu)

E quando teu sol for chuva, querida, deixa molhar.




Eu comecei minha faxina. Tudo o que não serve mais - sentimentos, momentos, pessoas - eu coloquei dentro de uma caixa e joguei fora.Tô bem assim, bem indiferente. O coração, um cactus. Não me importo mais. Dane-se! Comigo sempre foi tudo ao contrário mesmo. Mas continuo com aquela velha ideia rondando meus pensamentos. Aquela que diz pra gente não desistir, ir em frente. Afinal, sempre há uma chance de você tropeçar numa coisa maravilhosa pelo caminho. Tô tentando rir um pouco. Tenho aprendido que tudo tem jeito, que o tempo é remédio pra tudo. Vivendo e aprendendo.


(Caio Fernando Abreu) 


segunda-feira, 20 de junho de 2011

Ausência, por Caio F Abreu.



Foi numa dessas manhãs sem sol que percebi o quanto já estava dentro do que não suspeitava. A tal ponto que tive a certeza súbita que não conseguiria mais sair. Não sabia até que ponto isso seria bom ou mau mas, de qualquer forma, não conseguia definir o que senti quando comecei a perceber as lembranças espatifadas pelo quarto. Não que houvesse fotografias ou qualquer coisa de muito concreto — certamente havia o concreto em algumas roupas, uma escova de dentes, alguns discos, um livro.. Mas as miudezas se amontoavam pelos cantos. E o que marcava e pesava mais era o intangível, o que não se podia medir ou descrever.  Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. A minha mão direita conduzia espaçadamente um cigarro até minha boca. Minha boca sugava uma fumaça áspera para dentro dos pulmões escurecidos. Meus pulmões escurecidos lançavam pela boca e pelas narinas um fio de fumaça em direção ao teto claro, onde meus olhos permaneciam fixos. E minha mão esquerda tocava uma ausência sobre a cama ao meu lado. Não conseguia compreender como conseguira penetrar naquilo sem ter consciência e sem o menor policiamento: logo eu, que confiava nos meus processos, e que dizia sempre saber de tudo sobre mim mesma. Durante algum tempo fiz coisas antigas como chorar e sentir saudade da maneira mais humana possível: fiz coisas antigas e humanas como se elas me solucionassem. Não solucionaram. A verdade é que nada ia sanar aquele sentimento.. se sentir sozinho mesmo tendo alguém, tem base? Mas era assim que me sentia, e doía. Mas o tempo é meu amigo, ele vai passar e vai levar consigo essa dor. Enquanto isso vou vivendo assim, desse jeito meio torto que tenho vivido. Meio pelos cantos, vou juntando os cacos e alimentando o peito com o que me resta de concreto em mãos.