sexta-feira, 18 de maio de 2012

Florescerá



 Ela se perguntava todas as noites: o que foi que a vida fez de mim? Ela fechava os olhos e se lembrava do passado, e de como outrora havia sido feliz. Ela olhava pra dentro de si e não enxergava nada que lhe desse uma explicação pro que sentia. E então ela rezava. Pedia baixinho pra todos os anjos que lhe mostrassem o caminho, que lhe dessem um motivo suficientemente bom para sorrir na manhã seguinte, ao acordar. Fazia uma oração como quem dedilha um piano - sentindo cada palavra que seus lábios, quase que em forma de música, sussurravam debaixo do cobertor. Antes do último pedido e já com os olhos cheios d'água, respirava fundo e hesitava, num breve momento em que a razão e o coração se debatiam quase como Jorge de Capadócia e o furioso Dragão. Finalmente, a hesitação passava e o coração dava a palavra final. Então, a garota pedia. Pedia para que um de seus anjos da guarda voasse de pressinha para perto daquele rapaz, com o qual ela havia vivido os melhores momentos de sua vida e por quem ela guardava um amor e uma doçura sem igual. Ela sabia que já não significava nada pra ele, e acreditava até que ele não mais a reconheceria caso a visse por aí. Ou fingiria não reconhecer para não ter que lhe dizer "bom dia". Mas, mesmo assim, ela não queria que ele corresse perigo. Ela não queria que ele ficasse enfermo, fosse de corpo, de alma, ou de coração. Ela queria que ele sorrisse, que ele ficasse forte, que ele se desse bem na vida. Ela queria que ele pudesse amar alguém como ela o amou um dia. Ela queria que ele também encontrasse alguém que, de tão especial, lhe fizesse desejar tudo aquilo que ela desejava agora. E então a garota virou-se para o lado e caiu no sono. Ouviu uma voz de criança que dizia: tudo ao seu tempo, será lindo o que virá. E sentiu seu corpo flutuar por um breve momento, percebendo que amanhã seria um novo dia. E foi.

 Ao amanhecer, ela abriu as cortinas e fitou o sol que, ainda tímido, tomava o céu de luz. Uma luz inacreditavelmente sutil, que clareava todo o horizonte - desde a ponta do seu nariz até onde os seus olhos podiam alcançar. Abriu os braços e sentiu, sem pressa, a brisa que entrava pela fresta da janela. Era domingo. Decidiu que não faria nada além de cuidar de si naquele dia. Tomou um banho bem demorado, colocou sua roupa mais confortável e saiu pra caminhar na praia. Passou o dia ali, admirando a bela paisagem que Deus desenhara cuidadosamente para lhe agradar os olhos. Observou as crianças brincando na areia. Se divertiu ao ver a menina passeando com os cachorros - eram tantos que mal os conseguia conter. Sentou para ver os corajosos que aproveitavam as ondas e o vento para praticar kitesurf. Tirou da bolsa o seu Ipod e colocou a playlist do Coldplay pra tocar em alto e bom som. Era sua banda predileta e a garota cantava sem vergonha de quem estivesse ali para ouvi-la. Não se preocupava com quem estava à sua volta, só queria sentir-se mais próxima de si mesma.

 Depois do pôr-do-sol, começou a caminhar de volta para casa. Viu um casal de velhinhos sentados no banco da praça, de mãos dadas e se olhando com tamanha ternura, que pareciam querer voar a qualquer momento. Como que em compasso com o coração da garota, o Ipod resolveu tocar uma música que significava muito pra ela. Parece até que ele sabia de quem ela iria se lembrar. Inevitavelmente, olhando aquele casal e ouvindo àquela canção, a garota se lembrou daquele velho rapaz. O mesmo por quem ela havia orado na noite anterior. Inacreditavelmente, ela se sentiu bem. Viu-se feliz e agradecida por ter motivos para lembrar. Sorriu, então, e entendeu que a vida segue. Que o amor se transforma, mas fica, de um jeito ou de outro. Fica, porque o que que foi bom e bonito não deve ser esquecido. Deve se renovar a cada dia no nosso baú de memórias. Porque nenhum homem vive sem memórias, nenhum homem vive sem amar. E, naquele momento, a garota entendeu que ela não devia se sentir envergonhada por lembrar e por se emocionar com as lembranças. Sempre vai existir alguém especial. E ninguém jamais despertará em você um sentimento nem sequer parecido como o que esse alguém especial despertou. É coisa de alma, não dá pra explicar. É o tipo de coisa que a gente só sente, mas não entende. Finalmente, tendo concluído isso, a garota continuou a caminhada. O Ipod tocou uma nova canção. Agora, de sua segunda banda predileta: Oasis. A garota cantarolou pra si mesma, no ritmo da música: não tenha medo, você nunca mudará o que aconteceu e passou.. seu sorriso irá brilhar e seu destino te manterá aquecida.. pegue o que você precisa e siga o seu caminho.. faça seu coração parar de chorar..'

Chegou em casa e a noite já havia caído. Tomou outro banho e colocou seu pijama. Ao deitar-se, fechou os olhos e rezou mais uma vez. Agradeceu verdadeiramente por estar aonde estava, por sentir o que sentia e por ter chegado onde chegou. Se deu conta de que tudo em que havia se tornado era fruto das experiências que viveu - das boas e, principalmente, das ruins. E agradeceu por essas experiências também. Parou de se culpar por sentir tudo o que sentia sempre ao se lembrar, e percebeu que certas coisas ultrapassam nossa capacidade de entendimento. Por isso não devemos tentar muda-las. Não pediu aos anjos da guarda que fossem cuidar do rapaz. Agora, pedia para que cuidassem dela mesma. Se deu conta de que, à essa altura, alguém já deve estar pedindo proteção por ele em algum outro canto do mundo. Ela não precisava mais fazê-lo, não lhe cabia mais essa tarefa. Mas continuava desejando-lhe o bem, sempre. 


Gabi Roldão.



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